DE VER



Entre o céu e o fraterno
os espíritos neles vagantes
proibidos de nos olhar de dia
são raras evidências constantes
das verdades do amor eterno.
Uma delas, talvez, quem diria,
é quando sem olhares distantes
a vida nos dá antiga fotografia.



LÚDICA 8


Bem ou mal;
Você sabe muito bem,
meu bem,
que sou seu bem
e seu mal também.


LÚDICA 7



Não posso mais ser
seu pretendente;
Esta tarde
me caiu um dente.



A CRIANÇA NO QUINTAL



Estava no final do forçado intervalo entre sessões, pois houve falta no atendimento certeiro, o que perturbou-lhe sensivelmente as ideias. Das oito às nove da noite refletiu seus casos em solidão. Já eram quase nove. As supervisões sempre tão caras. O consultório da cidade de médio porte em local central e adequado com poltronas indicadas para o conforto e, não poderiam faltar, peças miniaturizadas de estátuas gregas e romanas, quadros abstratos e abajures para a luz das penumbras. Era um especialista. Trabalhou com crianças, no começo, depois adolescentes e adultos, assessorou escolas e empresas, escreveu artigos em revistas sérias e, principalmente, destas para clínicas ginecológicas, fez os cursos necessários, muito esforço e dedicação somados aos seus cabelos ralos e brancos. Compensava com a barba que achava farta, sabia ser alucinação. Deixava o ar com o cheiro das baforadas de seus cachimbos aromáticos. Era meio obeso, era meio baixo, vestia-se com discrição cinza ou pastel, apreciava o uso de sapatos largos, os óculos eram de fundo de garrafa e isto não definiu-se ainda se o agradava ou causava estranhamento. Era terapeuta de casal.

Homem sábio e capaz de discutir psicanaliticamente os filmes do Woody Allen, pelo menos os alusivos às famosas crises de relacionamento, “Lua de fel” do Polanski o interessava pouco, mas não podia negar que a cena do leite sobre os seios estava em sua eroticidade permanentemente, embora fosse difícil relacioná-la ao sadomasoquismo proposto por Jung. Seu ídolo era Vinícius de Moraes, dono de nove casamentos, o poetinha ao perceber o final do amor, levava embora apenas - sem olhar pra trás ou mesmo lapidar despedidas - os apetrechos de higiene bucal, a saber pasta de dentes e escova. Também pudera, ele fumava muito, bebia muito, escrevia muito, amava muito. Casado há trinta anos, já avô, evitando fotos de familiares sobre as mesas daquele lugar. Lugar nem frio e nem quente, nem claro e tão pouco, escuro. Seu ou daqueles que dele necessitavam? Jamais soube. Estava triste e pensando na esposa enraivecida a sua espera. Fazia já alguns meses ela endoideceu nos costumes do querer bem. Por mais que tentasse, não era possível decifrar este enigma rastreador de sua existência. Estava apavorado.

Era praxe de sua secretária anotar dados iniciais na pré-consulta e deixá-los antecipadamente à sua disposição. Lia as fichas lógicas com atenção de anamnese equilibrada, corria os olhos e já enquadrava tudo. Estava acostumado com as histórias sabidas comuns. O trabalho os separou, a construção da casa os separou, os filhos e os problemas decorrentes, o mundo vil que não se controla, a vida os havia distanciados com a mesmice dos motivos, mas chegavam juntos e esperançosos de respostas originais para dúvidas iguais. Separavam também tais perguntas, tratadas como retas paralelas todas as questões costumeiras e os olhares nunca se dirigiam um para o outro, sempre para o infinito onde se encontrariam, imaginavam. As idades, graças a Deus, eram inferiores as dele. Terapeuta novo é roubada. Terapeuta velho, sinal de acerto. Invertia esta mão em favor dos clientes. Era um bom homem. Amava o que fazia. Será que amava a esposa? Achou estranho que no final do questionário a pergunta sobre como se sentiam estava respondida com a palavra: felizes.

Entrou o casal. Ela esbelta, um metro e sessenta e cinco de sol, diria uma música. Bem vestida, morena ouro, singela e elegante, ares mineiros para um olhar misterioso. Sentou-se primeiro, parecia mais corajosa que o companheiro e antes da bolsa sobre o colo daquela saia cinza de tecido grosso, suavemente afastou a cadeira ao lado com indiscutível gentileza. Ele, magro e meio tosco nos movimentos, parecia estrábico disfarçando o acabrunhado da cena torta, roupas menos sociais, disse boa noite e estendeu a mão. Ela se deu conta do deslize e imediatamente repetiu o gesto cortês. Ambos puxaram fundo o ar. Ele sentou-se e aproximou a cadeira dele da dela. O terapeuta acendeu o cachimbo com a calma de quem seria o vencedor das boas palavras. Olhou para eles, carregando o silêncio com fumaça para aquele momento após a frase interrogativa de abertura: __ Pois não, em que posso ajudar?

Ele abaixou a cabeça até o momento que ela o fitou. Ele retribuiu o olhar e sorriu sem querer. Ela retribuiu o sorriso e virou-se para terapeuta com olhos de fundo de garrafa. Escutou-se o ranger de encaixes de madeira dos acentos, houve uma aproximação instintiva daqueles três seres. Ela disse: __ Eu e ele estamos sofrendo muito doutor. Estamos apaixonados faz uns meses, tudo fica em volta disto, tudo parece ser um perigo se não nos comunicamos. Inventamos compulsivamente pesquisas de música, varremos filmes e memórias, livros, poemas, contos, nos deciframos o tempo todo mesmo quando brincamos de esconde-esconde, sabemos algumas metáforas sobre o amor, achamos o sexo é uma fase densa, estamos sem dormir direito, preocupados com o excesso deste sentimento e muito confusos. Ameaçou chorar, mas nada surgiu da voz doce que distanciasse os interlocutores. Ele tomou a palavra para que ela pudesse descansar daquele desabafo apurado. Ela tomou a bolsa como fazem os esquilos com as sementes, o terapeuta não fumava, parecia na verdade que mamava. Tudo estava ficando profundamente tenso e neblinado. O cônjuge repetiu e acrescentou ares rebuscados aos dissabores da paixão relatada que os envolvia, detalhando  inquietações com alma de poeta, parecendo a ela até descobertas. Então, coisas novas surgiram com transparência lúdica, de modo que nem ali escapavam de ser vividas sem antes ou depois atravessá-los de entusiasmo infantil. Repentinamente, aquietaram-se e, não seria incorreto dizer, ligeiramente envergonhados.

O terapeuta sisudamente levantou-se cachimbando, pegou o paletó e o vestiu, abriu a gaveta e dela apoderou-se de chaves e da carteira e, enquanto balançava o molho em guizos no ar, com a outra mão destinava os documentos, cartões e dinheiro juntados em couro surrado para o bolso da calça. Agitado e visivelmente perturbado, rodou em torno de si sem saber direções e sentidos. Disse um boa noite firme, seguro e definitivo, deixando os dois para trás atônitos sem mais nem menos porquês e saiu com passos largos. Abriu, passou e não bateu a porta. Desapareceu. Nas ruas noturnas daquele dezembro as lojas abriam até às dez horas. Foi impossível ao casal abandonado imaginar que alguma floricultura próxima estivesse agora cheirando a rosas vermelhas, tabaco e mel.




A LETRA A


Ela tão longe dormirá
nos quartos tantos 
em que habita 
aquela respiração
silenciosa.

É tão longe o amor,
tão próxima a vida
das letras sem querer
esquecidas.



LÚDICA 6



É bom continuar
sempre com perguntas 
e com ingenuidade.



LÚDICA 5



Ouço sirenes e estou em minha casa;
Não estou atrapalhando trânsito algum...
Mas elas insistem...
Pretendo não voltar a esta lembrança.
Há sempre algo para me avisar
do inevitável fim do mundo.





HÁ MARES



Diante da vida, 
há um sentimento oceânico. 
Eu gosto daquela faixa de mar 
na qual a areia está escura, 
para caminhar ou beber. 
Quando não se sabe, inventa-se.





Eu acho que a noite será bonita...
Eu não sei quando achar é esperança,
A certeza é sempre depois mesmo.


Curiosidade


Apenas por saudável curiosidade, meu blog acusa visitas de pessoas em vários países, com destaque para os Estados Unidos e Alemanha... será que seria possível uma pequena interlocução? Coisa simples de um pequeno comentário... sei lá, a solidão de escrever já é risco assumido, mas...

MOÇA MÁ


MOÇA MÁ

Sonhos adormecidos
Nas veias do fino pescoço
Nos grandes olhos negros
Nos pés valseados
Nos pêssegos seios
Na cintura curvada
Do colo que dá ao filho
Ela é um pássaro morno
Para as manhãs de abril
Pousado de paciência

Força e silêncio

FRUTAS

Houve pai e mãe e a criança.
Passeio de irmãs e mãos dadas.
Deus cuidando por semelhança
das frutas por elas capturadas.

Para a cama, as claras cores.
A pelúcia para o travesseiro.
Para a pouca solidão, amores.

À noite, o sonho passageiro.