SETEMBRO

     Ela não sabe o que é madrugada da rua fria correr o dedo indicador na boca de um maço de cigarros vazio até que se encontre o suspeito último desejado. Aquela aflição suspensa da fome, do ar que se perdeu no fôlego faltado no lago descoberto fundo demais, sede de quem comeu sardinha num dia de sol, ou mesmo de chuva. Tudo isso rasgando a seda do papel. E lá se tem tempo de olhar os trocados para outro numa humilhação de porta de bar fechada. O vício é isto, domínio sob a ilusão do engodo provocando um sorriso amargo. O imperador morre e devem ser enterradas com ele, ainda vivas, suas esposas. Não é o mesmo sentido? Não são os incontáveis cigarros um exército de terracota? Não foi sempre o mesmo medo da solidão? Amanhã passo a governar o império de meu último ano de vida jovem. Ela, a doce namorada, não sabe a saudade esperando aurora.

      Todos os dias longe dela me são agulhas de realidade enferrujadas debaixo das unhas. Uma mulher sabe esperar, mas não se deve abusar. Sempre me encontro no tolo erro de concebê-la ignorante do que é a madrugada numa rua fria. Quer-se arruinar o namoro dos gatos, iniciar o uivo dominó dos cães, acordar todo mundo a partir dos mais idosos, perturbar a paz das vidraças olhando as pedras aproximadas, catar sem ordem o pão bengala quase esquecido no parapeito de uma janela da casa de duzentos anos, daquelas que tem porão para ventilar o mormaço tropical dos dias. Não se enxerga as estrelas, nessa altura do ano o céu é silencioso... irá chover. Penso aqui se devo ou não permitir. Penso aqui como o faz aquela luz na neblina. Ela é branca, leve, de voz para embalar, comove com gestos curtos, meu rosto pode aconchegar-se em sua mão e nenhum sono mais me descansaria distante dessa companhia. Garoa, garoa, garoa... veio caminhar pela rua e resolveu dialogar comigo, pena que há pressa, mas antes que me veja fugir em sua densidade, responda-me: Onde mora o amor viajante?

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