VINTE MINUTOS

Quando os olhos sucumbem, não precisam da aparência pela qual se travestiram durante o dia. Não há porque esconder a tristeza. Essencialmente,  opta-se por coisas que possam causar movimentos lentos e se arrasta arrumando móveis e limpando o chão e depois lavando as louças de claridade atravessada nas cortinas. Escuta-se a rua vindo cheia de gente e motores. E, às vezes, acontece de torcer um desejo lancinante de escrever um poema, deixar uma mensagem, pedir uma informação, ofertar algo que seja procedente das virtudes, hortaliças frescas de um quintal improvisado. E a falta se apresenta. Não há a voz nem tão pouco as interjeições e nem mais os cuidados e muito menos quaisquer daqueles sonhos bruscos. Não se sabe se é por causa do cansaço de final de ano comum a todos, mas há a violenta introspecção. Percebe-se nitidamente a pressão do sangue sob os músculos notada nas pulsações de pescoço, face e dorsos. O silêncio fundo dos bocejos de mergulho labiríntico de contato auditivo com o ritmo do coração antes que queime o ar entrado narinas abaixo. A gente, viciando-se em heroína, se injetasse o alívio marrom nas veias que saltam do braço e consumisse o tempo no qual o físico suportasse e - obrigado-se a decidir pela vida, interrompesse o uso - seria ainda assim menos cáustico que o deserto da ausência inesperada.

E quando se aproxima a consciência da perda poética, a noite decora-se de trovões e a absurda dor altera as feições. E inflama todas as extremidades a abstinência erótica, o serpentear rosa daquela inesquecível cintura. Mucosas e rios ultrapassam as frágeis margens do tenso esquecimento. Nada pode ser feito sem ser densamente. Os líquidos que do corpo brotavam. A tempestade desaba avassaladora e assassina, principalmente para os seres menores. A alucinação corre providenciar roupas secas e busca calor das lareiras imaginadas e pousa-se um tempo anterior. E a calmaria cuida de sonhos que eram normais, embora escutasse as vozes de outras mulheres a rever saldos e possibilidades. Onde está sepultado o humano e com quais palavras dele se despediram os mais falsos amigos?


Não se nota que dorme, o que é obvio, mas acorda-se. Sempre. Depois de vinte minutos ou menos e compreende-se ilusoriamente a hora perdida. A repentina vigília congela o coração de intensos medos. Vergonha, fracasso e humilhação galopam no pântano das noites escuras. Um cigarro ou uma bebida forte ajudariam bem. O ódio pisa na garganta sua bota de alpinista. Sorrisos desafiam a morte ante sua inevitabilidade. O inverno deste ano foi o mais frio já suportado e a primavera está tocada pela mesma dor do desprezo natural. Algo se reformula e a cama acolhe subjetivamente o corpo, paz que somente os animais de caça sentem. Atravessar firme os perigos do sono e, ao abrir os olhos, a alma de dentes cerrados em mandíbulas determinantes e imóveis na manhã escondendo, em algum lugar da tarde, o mais doce perfume.



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