Em favor de uma Educação para a coragem.
“Não existe ninguém tão grande para quem seja uma desonra estar
sujeito às leis
que regem com igual rigor a atividade normal e a atividade
patológica”.
FREUD, “Leonardo da Vinci e uma
lembrança de sua infância”.
Dirijo
estas singelas reflexões para pais e educadores e leitores outros. Peço a
gentileza de compreenderem, entretanto, que toda vez que aparecer a palavra
“Escola” neste texto, refiro-me a qualquer instituição séria, bem organizada, com
profissionais engajados e experientes, de base curricular e didática esmerada,
com cuidadosas avaliações e bons resultados, inovadora, com instrumental seguro
para acompanhar os movimentos estudantis cotidianos, de história reconhecida, enfim,
de alto nível. Posto isto, vamos aos meus argumentos.
O
respeito vem de berço, aquilo que se aprende em casa, na família. Não é papel
da Escola ensinar esta virtude moral e sim lapidá-la no âmbito móvel, porém estrito,
de suas responsabilidades. Em se tratando de filhos supostamente “bullyinados”,
os discursos e posturas de diferentes pais em ocasiões distintas muitas vezes,
infelizmente, apresentam intensa agressividade dirigida aos profissionais escolares.
Isso me chama a atenção, mas não me assusta, pois a “loucura” carece de originalidade.
Pensando nas relações entre aqueles que
usufruem um serviço comum, lugares de convivência variados são isentos de
ameaças de processo judicial por parte dos pais quando há conflitos do rebento
com os demais clientes. A Escola não se encaixa nesta isenção, pois, segundo
eles, seria obrigação dela antecipar-se e prever, lendo corretamente os sinais
do futuro terremoto. E porque supostamente não o fez, muito provavelmente será
acusada de possuir profissionais mal treinados, diretores e coordenadores omissos
e desprovidos de iniciativa e falhos na condução dos subordinados. Qual a
função ideológica desta fala revoltosa? Ao que me consta, a raiva é filha do medo. Enquanto
se violenta a Escola, negam-se quais temores?
“Bullying”, palavra nova para algo tão
antigo, gerou um discurso politicamente correto e uma moda pseudo-teórica para
sustentá-lo, achando que assim criticará profundamente a instituição mais
importante da sociedade para a transmissão do capital cultural, destacando para
esta missão especialistas de caráter duvidoso através de veículos e programas
de comunicação, muitos deles também igualmente duvidosos, a desfiar a ladainha
maçante de como são a dinâmica, os agentes e as formas de constatar e prevenir.
Desculpem-me pela lembrança, mas Escola
é lugar da autoridade de pedagogos e educadores. E quando penso na complexidade
conceitual, histórica, metodológica, técnica e prática inerente aos estudos de incontáveis
autores renomados de Psicanálise, Psicologia Genética, Psicologia da Gestalt,
Psicologia Analítica, Psicologia Social, Psicologia Humanista, Psicologia
Sócio-Histórica, Daseinanálise, Filosofia e História da Educação, Didática,
Metodologia de Ensino etc. em tópicos árduos sobre o desenvolvimento da
afetividade, da sexualidade, da moralidade, da inteligência, da sociabilidade,
das relações interpessoais, dos programas e currículos, dentre outros, concluo
assombrado o quanto os pressupostos “bullyinescos” são toscos e patéticos, pois
reduzem os conflitos a interpretações nas quais os rótulos personificam
crianças e adolescentes. Assim, não são mais seres em formação no interior de
contextos dinâmicos e sim estereótipos congelados. É de enojar.
Seria
o caso de convocar os profissionais da educação a juntar seus diplomas dos mais
variados cursos para que os joguem na fogueira onde já ardem livros de grande
significância ilustrada e queimados na mesma proporção na qual não foram lidos,
pesquisados e humildemente estudados? É vergonhoso quando uma compreensão
teórica fajuta aglutina legiões para interpretar e intervir, sendo
descaradamente difundida e aceita como verdade superior. Além de estar absurdamente
longe de ser bem estruturada e fundamentada, é preciso ressaltar que toda Teoria
é mapa e não território. Teorias são recortes, mas o mundo da vida não é constituído
de retalhos. Um antigo professor que
tive na Universidade para a disciplina de Psicopatologia e, na época, diretor
do Hospital Psiquiátrico de Marília, dizia que uma pessoa sobre um banquinho no
meio da praça gritando a respeito da proximidade do fim do mundo não é louca
não. Loucos, dizia ele, são os que, em volta, ouvem e acreditam. Sendo o bullying na Escola algo tão sério, não
mereceria compreensões e intervenções mais elaboradas?
Qualquer grupo ou instituição pode eleger
focar e tratar de um assunto. Porém, a Escola sistematiza seus conteúdos e os
integra. Esta é a grande diferença. Ensino e formação são finalidades totalmente
diferentes, mas a formação se dá através do ensino e vice-versa, pois a função social
escolar é regulada culturalmente pelo currículo e pela didática. Há parâmetros,
temas transversais, leis, diretrizes, deliberações, indicações, projetos,
registros, autorizações, planos de gestão, propostas pedagógicas, regimentos
etc., ou seja, todas as ações educativas são reguladas como bem coletivo
lastreado historicamente. De qualquer modo, tudo o que supostamente integra o ideal
da Escola pode ser revisto pelo horizonte das possibilidades ofertadas à
qualidade das relações interpessoais daqueles que dela usufruem. Destituir
sistematicamente a afetividade compositora dos problemas relacionais na Escola
conduz a equívocos assustadores, pois é o mesmo que não assuntá-la como
integrante essencial das condições do viver humano em suas diferentes etapas de
desenvolvimento e aprendizagem, inviabilizando a premissa ontológica da
Educação: uma geração que se vai cuida daquela que vem. Visto que somos
finitos, o mais importante para os adultos é ensinar e formar as crianças e
adolescentes naquilo que a vida exigirá de todos: CORAGEM.
A
vida gosta de quem gosta dela. Podemos ter perdas, separações, frustrações e
provações muito duras durante nossa passagem pela Terra. Precisamos muito dos
amigos, pois somos frágeis, temos dúvidas, doenças, acidentes, catástrofes,
injustiças, violências, competitividades e inseguranças. A lista de infortúnios
é extensa e ninguém possui certezas absolutas sobre o futuro, embora possamos
cuidar e zelar para que seja bom e promissor. Viver é muito perigoso. Não
importa o que a vida nos concede de desgraças e sim qual a contribuição que
demos a elas e como lidaremos com elas. Há no ser humano amplos recursos para
enfrentar as dificuldades. Não se pode resistir e alegar desconhecimento senão por
má-fé. Nossos traumas são interpretáveis, a maldade dos outros não é desculpa
para nossa infelicidade. Temos que encorajar filhos e alunos a contar sobre quem
os incomoda insistentemente por preconceito ou crueldade, buscando o diálogo
franco, mas sem oprimi-los com julgamentos rigorosos ou puritanos. “Pancada
forte e reio leve” diriam os sábios antigos, pois é assim que se educa.
Superproteger os filhos, colocando-os na condição de vítimas é o mesmo que sabê-los
alheios às forças do desenvolvimento. De
nada adianta ter doutorado em inteligência e encontrar-se balbuciando
afetivamente. A saúde emocional sempre estará na abertura das possibilidades,
das alternativas, das diferentes leituras e ações buscadas a partir da
consciência e reconhecimento das responsabilidades. Educar é um ato coletivo.
Conhecer-se é tarefa individual.
Lembrando
a frase pensada pelo índio que na alta montanha em território norte-americano
faz insistentes sinais de fumaça quando, de repente, avista ao cogumelo da
bomba de Hiroshima no fim do horizonte: __Era
isso que eu queria dizer.
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