JEJUM



     Correu para pegar o ônibus no ponto do jardim velho. É fácil saber pelo que contam os pombos assustados. Entrou  esbaforido, faltando forças pelo jejum. No braço a marca da agulha coberta por um adesivo. Pagou, passou a roleta, sentou-se num banco de fila única. Um silêncio imenso o invadia deixando a cidade quieta.

     Quatro pontos depois, entrou uma moça de até vinte anos. Morena, traços delicados, uniforme de uma fina loja de roupas, azul e branco para calça e blusa, a gola levemente dobrada num detalhe feminino. Aproximou-se a moça. Ficou ao lado dele. Ele viu sua mão pequena segurando o ferro frio que sustenta pessoas em pé. Um anel de prata. Nenhum perfume que pudesse recordar. Tanto lugar no ônibus por que quis ela ficar ao seu lado?

    “Tome vinho, é a vida eterna, é tudo o que a juventude lhe proporcionará. É a época, rosas e amigos bêbados. Seja feliz neste momento. Este momento é sua vida” . Poesia de quem? Não sabia. No filme ele a faz ler num livro. Ela sim perdida naquele momento. Ele morre depois com tanto sangue a cair de sua cabeça a molhar páginas.

    Quando a gente perde sangue os sinais se sensibilizam. Qualquer alteração de consciência comprova que a realidade não podemos alcançar. Era mera ilusão. Os homens precisam matar, fazer guerras, cortar a caça. As mulheres não... elas apenas vivem, sabem o que é perder o sangue.

     Levantou-se e ficou bem mais alto que ela. Agora via que era apenas uma menina e deixou ali o seu lugar quente. De que valeria seu amor  neste mundo?

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