Quando os olhos
sucumbem, não precisam da aparência pela qual se travestiram durante o dia. Não
há porque esconder a tristeza. Essencialmente, opta-se por coisas que
possam causar movimentos lentos e se arrasta arrumando móveis e limpando o chão
e depois lavando as louças de claridade atravessada nas cortinas. Escuta-se a
rua vindo cheia de gente e motores. E, às vezes, acontece de torcer um desejo
lancinante de escrever um poema, deixar uma mensagem, pedir uma informação,
ofertar algo que seja procedente das virtudes, hortaliças frescas de um quintal
improvisado. E a falta se apresenta. Não há a voz nem tão pouco as interjeições
e nem mais os cuidados e muito menos quaisquer daqueles sonhos bruscos. Não se
sabe se é por causa do cansaço de final de ano comum a todos, mas há a violenta
introspecção. Percebe-se nitidamente a pressão do sangue sob os músculos notada
nas pulsações de pescoço, face e dorsos. O silêncio fundo dos bocejos de mergulho
labiríntico de contato auditivo com o ritmo do coração antes que queime o ar
entrado narinas abaixo. A gente, viciando-se em heroína, se injetasse o alívio
marrom nas veias que saltam do braço e consumisse o tempo no qual o físico
suportasse e - obrigado-se a decidir pela vida, interrompesse o uso - seria
ainda assim menos cáustico que o deserto da ausência inesperada.
E quando se aproxima a
consciência da perda poética, a noite decora-se de trovões e a absurda dor
altera as feições. E inflama todas as extremidades a abstinência erótica, o
serpentear rosa daquela inesquecível cintura. Mucosas e rios ultrapassam as
frágeis margens do tenso esquecimento. Nada pode ser feito sem ser densamente.
Os líquidos que do corpo brotavam. A tempestade desaba avassaladora e
assassina, principalmente para os seres menores. A alucinação corre
providenciar roupas secas e busca calor das lareiras imaginadas e pousa-se um
tempo anterior. E a calmaria cuida de sonhos que eram normais, embora
escutasse as vozes de outras mulheres a rever saldos e
possibilidades. Onde está sepultado o humano e com quais palavras dele se
despediram os mais falsos amigos?
Não se nota que
dorme, o que é obvio, mas acorda-se. Sempre. Depois de vinte minutos ou menos e
compreende-se ilusoriamente a hora perdida. A repentina vigília congela o
coração de intensos medos. Vergonha, fracasso e humilhação galopam no pântano
das noites escuras. Um cigarro ou uma bebida forte ajudariam bem. O ódio pisa
na garganta sua bota de alpinista. Sorrisos desafiam a morte ante sua
inevitabilidade. O inverno deste ano foi o mais frio já suportado e a primavera
está tocada pela mesma dor do desprezo natural. Algo se reformula e a cama
acolhe subjetivamente o corpo, paz que somente os animais de caça sentem.
Atravessar firme os perigos do sono e, ao abrir os olhos, a alma de dentes
cerrados em mandíbulas determinantes e imóveis na manhã escondendo, em algum
lugar da tarde, o mais doce perfume.
Nenhum comentário:
Postar um comentário