Homens de meia idade, quando os músculos se encontram
em inevitável decadência, por amizade imaginam às aventuras o destino contrário
de cotidianos necessários, relaxamentos. Mulheres são cobiçadas. Dois inesperados
lenhadores ceifando a machadadas o tronco da larga outrora árvore no terreno
americano bravio e indisposto aos pioneiros do povoado. Móveis, residências e
lareiras. Não inferia se eram já conhecidos um do outro antes da gravura
alucinada ser interrompida pela consciência da chuva densa, intermitente, entrecortada
de conversas, relâmpagos e aquaplanagens. Fala e audição calmas estendidas
cúmplices com o parceiro ao lado, dono de motor e direção sob controle tenso. Constantes
e determinados à busca de boas palavras, ditas ou desfeitas. Bons argumentos.
Pista perigosa. Trevos amplos e luzes neblinadas das cidades de fronteiras indefinidas,
exceto pelas placas.
O agir comunicativo é um pensar antes da ação palavreada. E pensar sem
palavra não é silêncio comum, porque inexistente. Reflexo meio desobrigado de
ser sabido, o pensar veloz por ocasião do pensamento acontecido. Essa ilustrada
escolha meditativa inconsciente, ágil, incerta de parcimônia própria, absurda a
humanidade de igualdade e diferença, condição pendular de observação sobre o
mundo e introspectiva, teoria de orbitais, probabilidades instantâneas, olhos
que acompanham o filme por conta e apesar das orquestradas interrupções das
pálpebras, pelas intercorrências das pás hélices de barulhinhos já dos antigos projetores
de cinema, pulgueiros ultrapassados, um estímulo
ritmado, uma reminiscência, micro lembranças vitais. Percepções e mentes atuando
concentradas e distraídas, gerando compreensões dos finos movimentos. A boate
surgiu ampla em estacionamentos de carros caros sob árvores frondosas derramando
o final das águas acumuladas, tremendo poças, flores canteiras, pedras
ornamentais e luzes de efeito esverdeado. Uma leve brisa amainava a noite
típica emergente das tempestades.
O show inicial impregnou. Valeu o clichê da inaugural
impressão. Botas altas brancas e cerradas nos joelhos e deles a eliciar a pele
clara pincelada de purpurinas prateadas e costas acariciadas pelos golpes da
cabeleira castanho lisa. Sob tema igual, na variância sequenciada do cano
vertical aluminado do palco a outro próximo das mesas, após anúncio
radiofônico, uma dominadora em negativo, a alguns permitindo proximidade,
insinuante, limites tênues, depois, mediante compasso de música e apupos
encorajadores, femininos de apoio em sua maioria, retornava para a final nudez,
ápice. Hipnotizados, a fome dos dois dispostos ao jantar de carne flambada,
admiravam-na com silêncios e comentários de aprovação mútua. Duas mais viriam,
mas sem traduzir a sensualidade nervosa daqueles gestos arqueados, porém, há de
se admitir, rompendo com boa precisão laços e presilhas.
Quando bebiam doze anos envelhecidos na sede de dois
copos lidados pela desenvolta intimidade resignada do garçom elegantemente
vestido com macacão de suspensórios sob a camisa alva e um chapéu coco, a boca
pequena no queixo comprido dessa mulher do sonho inicial explícito a embalar os
ânimos da casa oferecia suave odor de maracujá na risada firme e aconchegante. Ela,
abstivera-se amavelmente à oferta do álcool, mas compunha-se à mesa com afagos
orquestrados entre outras já chamadas e avizinhadas. Ondas finas, a seda frouxa
do tecido envolvendo a ambos os senhores na folga merecida de casamentos,
solidão, negócios e a ternura crônica com o futuro dos filhos.
Subiram. Conduziam-se bem, adolescentemente enamorados até ao quarto do
motel adjacente. É assim que funciona, uma licença poética sobre a lei. O amigo
mantenedor da noitada sumira pelas vielas do jardim, ladeado das duas
escolhidas, segundo dele o desejo planejado, uma a outra dedicada, desde que
por ele solícitas. Não gravou a fração perdida das silhuetas dos três, pois
interrompido pelo lapso da dama acompanhante alta de ombros ossudos, seios
médios e de pálpebras azuladas, tudo equilibrado nas botas brancas altas, a
pensar o número do quarto com o rápido abrir do guarda-chuva, a garoa iniciada
pelo avanço da madrugada, cedido gentilmente pelo porteiro da boate, o mesmo
ser imparcial que perguntava sempre quando empunhava e manuseava o aparelho
para conferir possíveis portes de metal, já longe nas horas em que estavam: ___
Conhece as regras da casa?
Ela pôs a bolsa sobre uma das cadeiras
circundantes da mesa de madeira suportada pelo grotesco tapete de pele bovina.
Riam meio livres e comentavam coisas do mundo iguais a crianças novas fingindo
brincar entre si, na verdade, falando sozinhas. Não havia conexão contínua do
entrosamento, embora autêntico. Isto, porém, também gerava prazer. E no
repertório, o cuidado com a borboleta de asas acinzentadas a flautear os cantos
e as luzes, ela deixando roupas sobre a mesma cadeira da bolsa e nela aninhando
parte das suas jóias e dando à outra metade o conforto da tábua plana onde ele
descansara seu copo cheio do destilado.
E demorava a ida ao banho para retirar os brilhos
pingados na epiderme. Problemas com o aquecedor. E fartou uma eternidade
dolorida para o tempo tão escasso de uma hora regrada a sinais sonoros. Ele já
pedia desconto aos árbitros imaginários, mas ficou estático a admirar os requintes.
Consertaram o sinistro. Ela foi ao banho dizendo não ter vergonha da nudez. Ele
perguntou várias vezes: ___O que é a vergonha? E por se saber razoavelmente
alcoolizado, prestou continência ao ímpeto e se dirigiu à mesa do touro morto.
E tombou o copo. Uma pequena parte do líquido a madeira seca absorveu
instantaneamente. Outra, no copo permanecera pela rapidez tida no movimento
reflexo de levantá-lo à posição original. Entretanto, a bica densa maior
escorreu para o sentido da cadeira onde jazia a bolsa aberta e as jóias e a
chuva perigosa da estrada alumbrou a percepção do desastroso episódio. Ela
cantarolava sob a ducha e nada percebera. Ele acudia o acontecimento com a
toalha arrancada às pressas da embalagem plástica. Bebeu o último gole do copo.
Precisava de coragem pra contar o acidente. Contou.
Como se vai do céu ao inferno? Não. Não é caminho
que se decore ou que se registre em mapas bem legendados de explicação
convincente. São opostos sem nada pra intermediar, a lua sombria e negra da
noite repentina sem entardecer. As mãos que se soltam sem querer quando o amor
termina, mesmo que defronte dos cinemas e teatros. Não havia mais o cliente,
nem a borboleta e nem tão pouco os passos dela nus pelo quarto. Havia objetos a
serem salvos da umidade e muitas palavras à porcaria de sua vida enxugada de
aflições contidas. Ele parou de pedir desculpas, mas as retomou na saída sem
penetrar o intervalo doloroso da cena com impropérios, tons alterados ou
lamúrias sobre o quanto é azarado seu olhar junto à coordenação dos membros. O
álcool faz dobrar as palavras. ___ Espera, não vai nesta chuva sozinho. A voz
dela era doce. Desceram. Quando chegaram à porta da boate, perguntou um
funcionário da manutenção geral: __ Esquentou o chuveiro? Antes que ela pudesse
responder, ele se adiantou na ironia: ___ Sim, esquentou e muito. Ela o deixou,
gargalhando. Ele sabia agora o que era a vergonha.
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